Primeiras Impressões | 'Sua Vida é Minha' e a pressa é sua inimiga

Cristina Ravela
1

Quando mostrar é sempre melhor do que apenas contar uma história


Quanto tempo eu não faço uma resenha, hen, mores? Pois é, mas quando o silêncio é demais, até santo desconfia, né? A resenha de hoje é para a novela "Sua Vida é Minha", da emissora WebMundi. Se não tiverem coragem, nem desçam, crianços.



Já que desceu, vamos lá. "Sua Vida é Minha" conta a história de Eleonora (Patrícia Pillar, revivendo a insanidade de sua Flora, em "A Favorita") que, mais dura que uma pedra e mais fria do que Jon Snow, articula um plano para garantir a herança deixada pelo sogro. Entretanto, o velho deixa a herança para quem tiver o primeiro filho. Eleonora, sabendo que é estéril, mata todos pelo caminho, joga uma inocente na cadeia e rapta um bebê.

O desenrolar da primeira fase ocorreu em 15 capítulos mais curtos que o seu salário e mais rápidos que um tiro. O autor (WebMundi) parece ter tido pressa em chegar à segunda fase, que saiu atropelando tudo e a todos, não só na gramática (reticências custam caro para usar adoidado, viu?), mas principalmente na trama e no roteiro.

'Sua Vida é Minha' foi curta e grossa

Até para ser uma vilã precisa ter nexo, e não sei se é a Eleonora que acredita tanto em seu poder de persuasão ou a polícia é realmente tão ineficiente que bastou a vilã acusar a empregada de ter matado seu marido e amante, que pow! A Jaqueline foi algemada, julgada e presa. Não houve perícia, ninguém quis saber das impressões digitais, na-da! É como alguém te contar uma história resumida.

Foram 15 capítulos que poderiam ter sido transformados em 1, sem brincadeira, bicho. O que salvou, em alguns momentos, foram alguns diálogos:

"(Verônica / Eleonora) - A sua vovó aqui vai te dar uma sapatada na sua cara! Marilym cantava, atuava, brilhava...você é fã daqueles grupos de kpop que você não sabe se são eles cantando ou se é remix dos discos da Xuxa rodados ao contrário!"  
"(Vanusa): - Se manca, Jaqueline, Google que nada! O melhor é o Tinder!
(Jaqueline): - E serve para que?
(Vanusa): - Para não acumular pó na preciosa, fofa!" 
"(Dona Ioiô): - Mão de vaca...nem pra me ajudar a comprar as minhas lingeries comestíveis!" 
"(Eleonora)- Ah para, para de falar e sai daqui, Tia Anastácia! Vai ajudar a dona Benta no Sítio dos Horrores!  - Diz Eleonora enquanto a paciente sai da sala e bate a porta com força"

5 grandes problemas encontrados:

  1. o trecho acima contém um típico recurso literário após o diálogo;
  2. problemas de pontuação;
  3. cabeçalhos incompletos (faltou a temporalidade e o uso do "interior" ou "exterior");
  4. Trama batida, apesar de um diferencial: a inocente presa não é mãe de Catarina, a menina roubada;
  5. cenas muito contadas e não mostradas.

O item 5 foi, — como dizer? — o maior culpado de deixar o capítulo tão rápido e sem o desenvolvimento que ele pedia. Veja que um roteiro ágil, não é, necessariamente, um texto de poucas palavras, e sim, um texto bem desenvolvido e que flui de maneira que o leitor absorve muito bem, mesmo se for um texto de 80 páginas.

"Eleonora empurra Flávio dentro da piscina e liga o cortador de grama que cai dentro da piscina, eletrocutando Flávio"



Li, mal respirei e quase morri. Não é porque trata-se de uma cena rápida, que você vai esquecer de pontuá-la. Esta narrativa acima é um exemplo de uma história sendo contada, não mostrada. Roteiro exige bem mais do que um emaranhado de palavras. Veja como seria essa cena:

"Eleonora empurra Flávio para dentro da piscina. Rapidamente, ela apanha o cortador de grama e liga-o, enquanto Flávio tenta sair da água. Em sua cara assustada. Eleonora joga o cortador na piscina e assiste Flávio morrer eletrocutado". 

Será que a segunda fase melhorou?

Roteiro é uma construção. Se você não colocar a ação dentro dela, ela cai. E mesmo a segunda fase não escapou de todos os problemas mencionados, tendo uma cena intrigante na qual todos pensam que Eleonora morreu queimada no lugar da cunhada Verônica. Mais uma vez, onde estava a perícia para constatar a identidade do cadáver?

Apesar disso, a nova fase é mais dinâmica, mostrando uma Eleonora (agora, vivida pela excelente Irene Ravache) mais centrada em sua família, incluindo Catarina, a menina roubada (Mariana Ximenes).

Também há a Jaqueline querendo vingança após sair da cadeia 30 anos depois, além de uma irmã gêmea de Catarina, desejando tirar proveito da semelhança com a garota rica.


Enfim, um recado antigo, mas que voltou a ser pauta no novo programa "Diário de Bordo", de Luíz Sherazade, para a TVN: Enredo bom não salva um roteiro ruim. Afinal, se só a trama fosse importante, "Salve Jorge" teria sido a melhor novela de Glória Perez, mas diga-me se alguém conseguiu engolir os erros de roteiro? Ficção é uma coisa, texto inverossímil demais é outra.

"Sua Vida é Minha" já passa do capítulo 20. Quem curtiu, curtiu.





Postar um comentário

1Comentários

Please Select Embedded Mode To show the Comment System.*

#buttons=(Aceitar !) #days=(20)

Nosso site usa cookies para melhorar sua experiência. Saiba mais
Accept !